terça-feira, abril 15, 2008

Paro, olho, escuto e AVANÇO!


Pagoda en el lago del Oeste
Upload feito originalmente por eva cuca

"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência.
Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

Fernando Pessoa

4 comentários:

RD disse...

Caro colega, permita-me o plágio:

1 elogio: belíssima citação!

1 sugestão: "O deserto dos tártaros", Dino Buzzati, Cavalo de Ferro (desconcertante e inexplicavelmente intrigante o porquê de ficarmos amarrados à sua leitura!!!).

1 certeza: voltarei a ler o seu blog... lolol

1 agradecimento: obrigada pela sua atenção para com o meu blog.

1 desafio: abra mais o seu coração por palavras suas!! Têm outro sabor...

1 desejo: votos de felicidade na profissão e não só!

...

Por fim...

1 pedido: não me trate por você... (mas obrigada pelo respeito demonstrado com essa atitude!)

;)

RD disse...

Bom, com tanto plágio, esqueci-me de lhe dizer o mais importante!

Adorei aquela imagem que acompanha a citação feita do excelentíssimo Pessoa: anão podia estar mais adequada ao que entendo por vida!

No entanto, não gosto daquilo que entendo como um certo péssimismo emanando das palavras de tão ilustre personalidade.

Para mim, a vida não é uma estalagem (que pressupõe a ideia de algo estático), mas sim um caminho, algo completamente diferente! Montanahs e vales, dias de sol brilhante e de grande tempestade, lindas flores e gigantes calhaus e buracos, é isso que encontramos ao longo do nosso caminho e é por isso que devemos continuar a avançar! Para a esquerda ou para a direita, ainda que voltemos ao lugar da partida, já dizia o poeta: «O que importa é o partir, não o chegar!».

Por outro lado, porquê "diligência do abismo"? Soa-me a algo negativo, embora não tenha que ter, necessariamente, esse sentido. Sim, a morte será um abismo para a alma, mas porque ela se precipita numa outra dimensão, que não conhece, apenas por isso.

Acredito na vida para além da morte! Não gosto de saber que não procura, nem se interroga. Não me parece de acordo com a sua grandeza.

Do que gosto, sim, é da sua última frase: «Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também.». É por isto que escrevo! Uma ingénua e tímida tentativa de partilhar com outros viajantes a minha própria experiência, ao mesmo tempo que, para mim mesma, construo com solidez o meu caminho, pedra por pedra, como uma daquelas "eternas" estradas romanas...

Quem me der trocar ideias com Fernando Pessoa... Entre outros...

Anónimo disse...

Na Vida, algumas pessoas recuam, outras vivem na indolência, há ainda aquelas que dão um passo em frente e avançam. O facto de avançarem não significa que não tenham medo, mas antes que não têm vergonha de enfrentar o medo do desconhecido que o abismo representa.

Antes que chegue a "diligência do abismo", temos de enfrentar vários abismos na nossa vida, pois só perante os abismos é que descobriremos capacidades que, de outro modo, nem teríamos consciência delas.

Ju

curiosidadesdaana disse...

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(Fernando Pessoa)
A poesia tem destas coisas por vezes o que parece ser não é.
Se entendermos a vida como uma passagem para "algo", porque não a estalagem para ficarmos durante o longo percurso?
O que está para além do abismo não tem de ser necessáriamente mau ou menos bom, "qui çá" uma paisagem alentejana?
Parabens pelo blog, encontrei por acaso e gostei, passarei por cá de vez em quando.
ana