Ser Médico!
"Cada doente em perigo era uma razão de angústia: desejaria colocar-me no seu lugar, chamar a mim o seu sofrimento, para reagir com alma contra a doença, numa espionagem infatigável que não permitisse o assalto traiçoeiro da morte. Desejaria vê-lo a meu lado, dia e noite. O doente do hospital era um caso clínico, uma cama numerada; cá fora, no meio familiar, era um ser humano, que nos dizia intimamente respeito, cujo destino se fundia com o nosso."
"(...)e aceitava alvoroçadamente esses serviços. Quanto mais penosa fosse a viagem, mais sentia a minha profissão digna de ser servida. Invejava os que tinham os dias absorvidos pela clinica, que chegavam já extenuados junto dos doentes. Da primeira vez que fui à serra, a meio da viagem interminável e como resposta à minha insistência em saber «se ainda faltava muito», o meu companheiro disse: «Nem somos gente, a bem dizer, Sr. Doutor. Estes caminhos foram feitos só para bestas como nós. Uma pessoa de estimação, como um doutor, nunca devia atrever-se a subir aqui! Deviam deixar morrer este povo, deixar que a semente acabasse.» Não me queixei mais o resto da jornada e respondi com melindre: «Sou médico. Um médico é um médico; não escolhe doentes nem caminhos.»"
Fernando Namora
"(...)e aceitava alvoroçadamente esses serviços. Quanto mais penosa fosse a viagem, mais sentia a minha profissão digna de ser servida. Invejava os que tinham os dias absorvidos pela clinica, que chegavam já extenuados junto dos doentes. Da primeira vez que fui à serra, a meio da viagem interminável e como resposta à minha insistência em saber «se ainda faltava muito», o meu companheiro disse: «Nem somos gente, a bem dizer, Sr. Doutor. Estes caminhos foram feitos só para bestas como nós. Uma pessoa de estimação, como um doutor, nunca devia atrever-se a subir aqui! Deviam deixar morrer este povo, deixar que a semente acabasse.» Não me queixei mais o resto da jornada e respondi com melindre: «Sou médico. Um médico é um médico; não escolhe doentes nem caminhos.»"
Fernando Namora
3 comentários:
Mensagem muito bonita CC!
Sem dúvida, não escolhemos os nossos doentes nem as condições em que os vemos.
Vivemos a sua doença; dói-nos cada picada que lhes fazemos mas é pensando no seu bem que o fazemos; angustiamo-nos, entristecemo-nos com cada noticia menos boa...e, sinceramente, espero que sempre assim seja porque se um dia tal não me afectar não serei a mesma pessoa, não serei a pessoa que gosto de ser.
Os doentes não são um número, têm um nome, são pessoas, numa condição frágil, que merecem a nossa dedicação. É tão bonito quando lhes conhecemos o nome e não os identificamos pelo Nº da cama...
É por tudo isto e muito mais que,apesar de todos os "senãos" ,todos os dias continuo a adorar a minha profissão...
O bom médico é aquele que cumpre aquilo que um dia jurou: "A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação"
Bjs e continua,tal como o autor, também tu a não escolher doentes nem caminhos
Quando um médico começar a escolher doentes e caminhos, deixará de ser médico e tornar-se-á num mercenário da saúde.
Mas tu, tenho a certeza que serás sempre médico :)E tu também "Páginas soltas" ;) É confortante saber que ainda há pessoas que abraçam de corpo e alma a sua vocação.
Beijinho
Ju
O meu comentário seria, se tal fôsso possível, uma imagem - uma fotografia da casa de Namora, em Monsanto. Ao olhá-la, com a placa anunciando o seu nome, vi-o subir as íngremes ruelas da vila, deitando os bofes pela boca como qualquer um de nós, num sufocante dia do verão beirão, espreitando a esplendorosa vista por entre duas floridas e exuberantes roseiras que preenchiam a quente atmosfera com o seu doce e intenso perfume, enquanto se teciam na sua mente as primeiras ideias e linhas com que coseria, mais tarde, os "Retalhos da vida de um médico" de província, no Portugal profundo da 2ª Grande Guerra. Foi um momento bonito! E depois, pisquei os olhos e voltei ao século XXI.
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